PUB

Fact-Checks

Está provado que “injeções” de vitamina C combatem o cancro?

5 Set 2023 - 08:00
falso

Está provado que “injeções” de vitamina C combatem o cancro?

Em várias publicações nas redes sociais alega-se que a vitamina C administrada por via intravenosa e em altas doses ajuda a combater o cancro. Mas isto corresponde à realidade?

vitamina c

Em declarações ao Viral, a nutricionista do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto Susana Couto Irving esclarece todas as dúvidas.

O que é a vitamina C? 

As vitaminas são micronutrientes presentes nos alimentos necessários para a nossa vida, saúde e bem-estar. Habitualmente, consideram-se 13 tipos diferentes. A vitamina C  (ou ácido ascórbico) é uma delas.

Esta vitamina é fundamental para uma série de mecanismos do nosso corpo e está presente em todos os tecidos. É necessária, por exemplo, para a produção de colagénio e cicatrização de feridas, para o normal funcionamento do sistema imunitário e para potenciar a absorção de ferro pelo organismo.

Nos humanos, a vitamina C é obtida exclusivamente através da alimentação. Este micronutriente encontra-se em maior quantidade em frutas como os citrinos (laranja, toranja, limão) e em hortícolas como o pimento, a salsa, a couve e os brócolos.

A maioria das pessoas com uma alimentação variada e rica em escolhas alimentares frescas ou pouco processadas e da época obtém dos alimentos a vitamina C necessária ao organismo.

Está provado que infundir vitamina C em “altas doses”, como sugerem as publicações no Facebook, é benéfico?

A recomendação diária de vitamina C varia. O intervalo desejável depende de diversos fatores como: idade, sexo, atividade física, fase da vida (gravidez, amamentação) e necessidades específicas (como existência de doenças autoimunes).

A dose recomendada de vitamina C diária para homens adultos é de cerca de 90 miligramas. Já para mulheres adultas é de cerca de 75 miligramas. 

As doses indicadas nas publicações do Facebook como benéficas para o tratamento do cancro de uma ordem de grandeza nos gramas e não nos miligramas são muito acima dos valores de referência. Nesse sentido, importa sublinhar que concentrações muito baixas ou elevadas de vitamina C no organismo são desaconselhadas e podem ser prejudiciais.

A nutricionista Susana Couto Irving alerta que, em função das doses e do estado da pessoa no momento, a vitamina C até pode ter uma ação oposta ao pretendido.

PUB

“Foram estabelecidos intervalos considerados como de segurança. Fora destes valores poderá existir o risco de ser uma ‘faca de dois gumes’”, realça a especialista.

“Injeções” de vitamina C são eficazes no combate ao cancro?

Quando se mencionam “injeções” nestas publicações, está-se, na verdade, a fazer referência à administração de vitamina C em infusão, por meio intravenoso, de doses muito elevadas que são consideradas supra-fisiológicas, ou seja, acima dos valores considerados normais.

O interesse neste tema não é novo. Aliás, tem décadas.  O raciocínio por detrás da eficácia destas “injeções” é o seguinte: Durante os tratamentos oncológicos por exemplo, da quimioterapia pretende-se criar um ambiente oxidativo para que as células tumorais não tenham condições de proliferação ou de sobrevivência.

Contudo, muitos tratamentos não são específicos apenas para o tumor e causam danos nas outras células saudáveis. É por isso que surgem os efeitos adversos aos tratamentos, como a queda de cabelo ou úlceras no trato intestinal.

Sendo a vitamina C um antioxidante, especula-se que esta vitamina poderia ajudar na redução destes efeitos secundários dos tratamentos ao ajudar as células a ter mais capacidade de defesa contra estes efeitos.

A questão é que sendo administrada de forma sistémica e da mesma forma que a quimioterapia, que chega a todo lado este suposto auxílio não chega apenas às células saudáveis, podendo também “ajudar” as células cancerígenas tumorais, tornando-as mais capazes de se propagar e sobreviver.

Por esse motivo, a nutricionista Susana Couto Irving aconselha prudência com a suplementação desta vitamina em casos de cancro.

“O problema é complexo. A recomendação atual é de não exceder as doses fisiológicas no dia a dia e que, na altura de tratamentos oncológicos, não se deve efetuar suplementos vitamínicos sem indicação da equipa clínica”, sustenta.

O estudo de 2012 mencionado numa das publicações foi realizado em apenas 45 pacientes numa clínica privada nos Estados Unidos da América. 

Os resultados indicam que 75% dos participantes pareceram ter uma evolução favorável em termos do perfil inflamatório a longo prazo.

Note-se que 75% de 45 pacientes representam 33 doentes, o que é uma amostra de população muito pequena para se poder ter em conta os resultados. 

Nesse mesmo estudo sugere-se que, à partida, esta abordagem é segura, dado que nenhum dos doentes teve efeitos secundários.

Contudo, a nutricionista do IPO faz uma ressalva: “Um organismo saudável até é relativamente hábil a gerir o excesso de vitaminas hidrossolúveis como é o caso da vitamina C. O problema é que o excesso que não se consegue monitorizar e que não se vê poderá influenciar uma transformação pró-oxidante e não só  antioxidante.”

A maior parte da evidência concentra-se em publicações de estudos pré-clínicos (de mecanismos) ou muito precoces, de fase 1 ou fase 2, em que apenas se conseguem averiguar questões ligadas à dose e à segurança e não ao benefício clínico.

Para já, a evidência não suporta que seja algo clinicamente vantajoso.

São, por isso, necessários mais estudos, de fase 3, bem desenhados, com amostras representativas e, idealmente, também randomizados, ou seja, estudos onde a amostra é aleatória e são rigorosamente controlados.

Estes são estudos mais complexos e difíceis de concretizar, mas são aqueles que mostram benefício clínico e que permitem a transposição para a prática do dia a dia.

Em suma, a evidência científica atual não comprova que a vitamina C quando administrada por via intravenosa e em altas doses é benéfica ou ajude no tratamento do cancro.

Para já o que se sabe é que é importante manter um estilo de vida saudável, com prática de exercício físico e uma alimentação assente nos pilares do equilíbrio, variedade e moderação, tanto durante os tratamentos oncológicos como para a prevenção das suas complicações. 

“Neste contexto a vitamina C fornecida por escolhas alimentares variadas, prudentes e saudáveis terá sempre o seu papel”, conclui a nutricionista Susana Couto Irving.

PUB

————————————————

PUB

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

falso

Categorias:

cancro

Etiquetas:

Produtos naturais

5 Set 2023 - 08:00

Partilhar:

PUB